O PESO DA TIMIDEZ NO AMBIENTE DE TRABALHO – Caderno Boa Chance – Jornal O Globo – domingo, 01 de novembro de 2015

getimageA personalidade mais reservada pode ser um diferencial em funções que exigem mais concentração, mas também influencia o salário

“A tecnologia traz facilidades, mas nada ainda substitui a eficiência do contato pessoal nas negociações” – Alexandre Rangel – Consultor da Alliance Coaching

Eles escutam mais do que falam, são reservados e dificilmente conseguem encarar as pessoas olho no olho. Por essas e outras características, os tímidos, não raro, são alvos de preconceito e condenações no universo corporativo – muitos tendem a acreditar que os mais extrovertidos têm mais chances na carreira. Mas o mercado também está aberto para a turma dos que gostam de passar despercebidos: há posições em que ser mais calado e observador são importantes diferenciais competitivos.

Essas características são levadas em conta pelos recrutadores nas entrevistas de seleção, dependendo da área de contratação. Ser introvertido muitas vezes significa, aos olhos de headhunters, ter mais poder de concentração e foco, e consequentemente, mais criatividade e produtividade em questões complexas — traços de personalidade que caem bem nos departamentos de engenharia, TI, design, financeiro, auditoria e análise estratégica, segundo especialistas.

— Nessas áreas são comuns pessoas mais tímidas e reservadas, pois se comunicar bem não é premissa para a execução da atividade profissional. A boa comunicação com os colegas de trabalho é sempre fundamental e timidez não significa que a pessoa não saiba trabalhar em equipe. São características distintas e independentes — ressalta o diretor da consultoria de RH Roberto Half, Jorge Martins.

TRAÇOS ACENTUADOS

Durante um processo de seleção, é fácil perceber os quem têm traços de introspecção mais acentuados. Algumas atitudes são bem indicativas, como sudorese elevada nas mãos, balanço exagerado das pernas, respostas curtas e dificuldade de olhar nos olhos do recrutador. Na opinião do diretor do Unique Group, Gustavo Costa, cabe ao entrevistador entender a situação e mostrar caminhos para que a pessoa se sinta mais à vontade ao longo da conversa.

Mas é preciso haver também um esforço do entrevistado: sendo tímido ou não, é imprescindível que a apresentação sobre as próprias experiências profissionais e a personalidade seja clara e objetiva. Quem tem dificuldade nesse quesito, o jeito é treinar na frente do espelho e conhecer o currículo detalhadamente.

— Não há uma preferência por determinado perfil, tudo depende da vaga e da cultura da empresa em questão. É fato que a diversidade de uma equipe composta por introvertidos e extrovertidos é valiosa, pois cada um pode contribuir à sua maneira para a produtividade do grupo — avalia Gustavo.

A complementaridade de perfis é importante para o bom andamento do trabalho em equipe e isso deve ser observado com atenção pelos chefes, concorda a diretora de RH da Medtronic e vice-presidente do Comitê Estratégico de Recursos Humanos da Câmara Americana de Comércio para o Brasil, Rafaella Lopes.

— Talvez os introvertidos sejam profissionais mais adequados a assumir a mediação de uma equipe, a preparação de apresentações dos colegas e a análise de conteúdos debatidos em reuniões, devido às qualidades que em geral eles têm de sobra como percepção, precisão e planejamento.

O PODER DOS QUIETOS

A pesquisadora e escritora norte-americana Susan Cain, autora do livro “O poder dos quietos – Como os tímidos e introvertidos podem mudar um mundo que não para de falar”, é famosa por trazer à tona o potencial dos mais tímidos. Segundo ela a cada três pessoas, uma é introvertida. A especialista prega que, embora seja difícil destravar a ‘ditatura da extroversão’, o universo corporativo precisa cada vez mais estimular as competências desses profissionais.

Para Cyndia Bressan, mestre em Psicologia do Trabalho e coordenadora de MBA em Gestão de Pessoas do Instituto de Pós-Graduação (Ipog), é o equilíbrio entre introversão e extroversão que de fato agrega.

— Mas vivemos numa sociedade ocidental, capitalista e altamente tecnológica, os extrovertidos podem ter mais facilidade no marketing pessoal, mas se não apresentarem resultados ou forem inadequadamente expansivos, isso pode atrapalhar a carreira — opina.

Discussões à parte, o salário parece ser a pedra no sapato dos introvertidos, pelo menos nos EUA: uma pesquisa recente da Truity Psychometrics, empresa norte-americana de testes de personalidade e de carreira, mostrou que os extrovertidos ganham uma remuneração maior do que os introvertidos.

Enquanto os mais expansivos podem chegar a US$ 77 mil e US$ 76 mil por ano, os mais quietos ganham entre US$ 52 mil e US$ 59 mil anualmente. De acordo com a pesquisa, os extrovertidos geralmente têm um salário maior porque estão mais propensos a assumir cargos de liderança. Para os tímidos, uma boa saída para as limitações pessoais; para os extrovertidos, questão de rapidez e praticidade. As ferramentas virtuais de comunicação (e-mails, mensagens de texto, hangouts etc.) dominam cada vez mais o ambiente de trabalho, abrindo espaço para um fenômeno que vem se intensificando nas empresas: a falta de um contato pessoal mais próximo com chefes e colegas de equipe.

Isso é mais comum entre os jovens da chamada geração texting — apelido que surgiu nos Estados Unidos para descrever aqueles que preferem ler e escrever do que falar — que, em geral, encontram dificuldades para se expressar pessoalmente. As mensagens de textos são um caminho mais confortável e prático para a comunicação com os amigos, relacionamento no trabalho e interação social. E esse comportamento que já é forte entre a geração Y tende a ficar mais intenso entre os profissionais da geração Z, que estão chegando ao mercado de trabalho.

— A tecnologia proporciona facilidades impressionantes e é bem-vinda, mas é preciso ter equilíbrio, principalmente no ambiente de trabalho. Nada ainda substitui a eficiência e a assertividade do contato pessoal nas negociações, feedbacks e reuniões — ressalta Alexandre Rangel, consultor e coach de executivos da Alliance Coaching.

O empresário Bruno Gorodith sabe muito bem disso. Quando trabalhava como analista de negócios em uma empresa, preferia se comunicar com a equipe e superiores por meio de mensagens de texto. Tudo por conta da timidez. Aos poucos, porém, ele percebeu que estava perdendo espaço na companhia e chances de se desenvolver profissionalmente em função da dificuldade de se expor em grupo.

— Para ocupar um cargo de gestão, independentemente da área em que se atua, é preciso saber lidar com as pessoas, se comunicar bem e não ter vergonha de falar em público. O contato pessoal para tratar de assuntos cotidianos é imprescindível, pois traz mais transparência para as relações de trabalho.

MEDO DO PÚBLICO

Bruno encontrou num curso que alia técnica de preparação de atores e mercado corporativo a fórmula para se desinibir. Segundo a professora Abbadhia Vieira, especializada no chamado ‘Teatro Business’, a ideia é desenvolver a capacidade de improvisação do profissional, melhorar sua integração com os colegas de trabalho, estimular a criatividade e acabar com o famoso ‘frio na barriga’ antes de fazer uma apresentação.

A técnica foi idealizada a partir de experiências próprias de Abbadhia. Embora não se considere uma pessoa tímida, ela já passou por maus bocados em palestras em que tinha que apresentar resultados da empresa para centenas de pessoas.

— Comecei a gaguejar, não conseguia conectar ideias e meu chefe pediu para eu parar. Foi frustrante para mim, a tal ponto que decidi entrar para uma faculdade de Teatro e tentar superar essa limitação. Falar em público é um desafio e um dos principais temores dos profissionais e está diretamente relacionado ao medo de errar e de ser rejeitado, observado e analisado — pontua.

O primeiro passo para se sair bem numa apresentação em público passa pelo domínio do assunto a ser abordado, na opinião de Alexandre Rangel, que dá dicas de exposição e de controle para quem treme na hora de falar para muitas pessoas. Segundo ele, os tímidos são os que mais procuram a ajuda de coaches, pois, além da dificuldade de se expor, querem melhorar a relação social no ambiente corporativo.

Priscila Oliveira, analista de Business Intelligence da Anglo American, se considera muito tímida, mas acha que isso a favorece no trabalho, principalmente por conta de competências importantes que detém, como concentração, foco e capacidade de observação. Para superar a timidez em reuniões e apresentações, o jeito é se preparar muito e com antecedência.

— Hoje estou acostumada a dar aulas e treinamentos, mas nesses momentos é como se eu virasse outra pessoa. Por eu ser muito introvertida, os colegas de trabalho tendem a achar que sou mal humorada. A vantagem é que as minhas relações profissionais são mais perenes e de confiança.

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Quero inspirar pessoas. Quero que um dia alguém olhe para mim e diga: "por sua causa, eu não desisti." Meu nome é Claudio de Almeida Neto, eu sou Coach.

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